Muito
ruído tem sido feito em torno do processo de avaliação em curso, das unidades
de investigação científica Portuguesas, encomendado pela Fundação para a
Ciência e Tecnologia (FCT) à “European Science Foundation” (ESF). O tom geral é
de queixume: que metade das unidades perde financiamento; que as regras de
avaliação não são claras; que os avaliadores não são competentes. A situação da
ciência em Portugal não é fácil mas convém não perder o norte, sob pena de
abalarmos os alicerces de política científica nacional que tantos anos levaram
a construir.
Em
primeiro lugar, devo dizer que me parece inadequado politizar um processo
eminentemente técnico e científico. O processos de avaliação científica entre
pares têm imperfeições, como qualquer sistema de avaliação, mas não se espera
que melhorem quando são usados como arma de arremesso político ou quando grupos
de interesse os procuram torpedear se os resultados não os beneficiam. Por
definição, qualquer processo de avaliação científica gera descontentamento. Não
pretendem eles discriminar? Quando se discrimina, há quem perde e há quem
ganha. A solução para os que perdem nunca passou, nos países que nos servem de
referência, por falar grosso nos jornais buscando auxílio de quem não tem
informação nem conhecimentos para saber se as avaliações são, ou não são,
justas. A solução envolve, por parte de quem avalia, a criação de mecanismos
que asseguram a isenção e a transparência do processo (que estiveram
assegurados nesta avaliação). Da parte de quem é (mal) avaliado, mais
trabalho, contínua capacidade de renovação e muita persistência. A avaliação
por pares, num ambiente de forte competitividade, é o dia-a-dia dos
investigadores profissionais. Um dos ensinamentos que procuro incutir aos meus
alunos é a necessidade de serem capazes de gerir a frustração ao verem negados
os seus trabalhos, alguns deles de grande qualidade, por avaliadores
independentes. Eu sei que não é para todos, que fere o ego, que por vezes se
cometem injustiças nas avaliações, mas é indispensável para quem quer vingar
nesta profissão.
Em
segundo lugar, surpreende-me o alarido em redor da alegada existência de quotas
predefinidas para financiamento das unidades. De acordo com a FCT, essas quotas
nunca terão existido pelo que o alarido seria injustificado. A informação de
que disponho é que terá havido uma tentativa de calibrar as avaliações de
acordo com parâmetros Europeus e harmonizar graus de exigência entre painéis, o
que levou algumas unidades a ter oscilações na avaliação antes da publicação
dos primeiros resultados. Como não participei neste processo de avaliação,
abstenho-me de fazer mais comentários específicos. No entanto, a sugestão de
que a avaliação deveria ter considerado o mérito absoluto das unidades é ingénua.
Todos os processos de avaliação competitiva que conheço são baseados no conceito
de mérito relativo. É assim no desporto e na ciência. Porquê? Porque existe um
orçamento limitado e pretendem-se canalizar recursos suficientes para os
investigadores (ou unidades) que mais capacidade demonstraram ter para fazer
diferença. Quer isto dizer que as unidades não financiadas não poderiam fazer
bom uso das verbas? Não. Quer dizer que quando os recursos são escassos, é
necessário fazerem-se escolhas, que ainda não foi inventado um sistema melhor
do que a avaliação independente por pares e que a tendência internacional é de
alocar o financiamento para a investigação, rigorosamente, em função destes
processos de avaliação. Por exemplo, o Conselho Europeu de Investigação (ERC na
sua sigla Inglesa) financia cerca de 12% dos projetos que lhe são apresentados
e o número de projetos financiados é determinado pelo orçamento. É o que fazem, igualmente, num outro âmbito,
as revistas científicas que procuram publicar um número limitado de artigos por
ano. A revista científica de que sou Editor-chefe, Ecography, rejeita 80% dos
artigos enviados com base em critérios de mérito relativo.
Em
terceiro lugar, não entendo como se acusa a FCT ou a ESF de falta de preparação
em processos de avaliação. A ESF tem larga experiência de avaliação da ciência.
Não ter nunca realizado um exercício idêntico não é uma crítica válida, pois os
princípios da avaliação científica são genéricos e uma entidade habituada a
gerir processos de avaliação de equipas internacionais, organizadas no âmbito de
projetos, está perfeitamente capacitada para avaliar equipas organizadas no âmbito
de unidades de investigação. Por seu lado, a FCT (e a sua antecessora JNICT)
foram as entidades que trouxeram alguma objetividade nos processos de avaliação
científica realizados neste País. Nenhum processo de avaliação é perfeito, não
fora este conduzido por pessoas. Mas os processos de avaliação promovidos pela
FCT não têm rival em Portugal. As universidades, salvo exceções, não se têm
destacado por protagonizarem avaliações exemplares, por exemplo, na contração
de docentes em concursos abertos, amarradas que estão à endogamia e à
influência de grupos de interesse.
A
crítica que se poderia fazer a este governo—em rigor a todos os que se
sucederam a extinção do INIC—, foi terem sido incapazes de reformar as
universidades no sentido de as tornarem mais orientadas para a investigação
científica. Ao invés, criaram estruturas paralelas (os centros de investigação
e laboratórios associados), esperando que estes se tornassem âncoras de
excelência que contagiassem as universidades. Isso não aconteceu, pois nunca
houve pressão para que estas “ilhas” de excelência se transformassem em
“âncoras”. A investigação nestas unidades acabou por ser realizada,
em grande parte, por bolseiros, muitos deles com elevada qualidade, que nem
sequer direito a reforma condigna terão quando atingirem a idade. A solução
passaria por criar mecanismos de financiamento para as universidades, indexados
à produtividade científica, de forma a incentivá-las a atrair os melhores
investigadores e dando-lhes, simultaneamente, instrumentos flexíveis de gestão
dos recursos humanos e financeiros.
Que
o financiamento para a ciência e educação em Portugal é limitado, estamos todos
de acordo. Que seria desejável aumentar esse financiamento, é óbvio. Mas que a
gestão dos recursos escassos deva ser feita relaxando a exigência dos processos
de avaliação não é defensável. A política do “café para todos”, ou seja,
repartir recursos de forma mais ou menos equitativa por todas as unidades
científicas e investigadores, é defensável em estádios mais primitivos de
desenvolvimento científico. Depois de décadas de investimento em formação de
recursos humanos, depois de verificarmos que muitos dos melhores investigadores
optaram por deixar o País em busca de reconhecimento, carreiras e recursos que
não encontraram por cá, a prioridade deve ser dar nozes a quem tem dentes. Ser
exigente, apostar em núcleos de excelência, integrá-los nas universidades e
reforçar ou reduzir o financiamento em função de resultados.
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